A MALA DE CABINE DA SOFIA
DESCONTROLADO ALTO DELEITE
Insónia
Sofia Vila Nova
Às cinco da manhã levei um tiro no peito
Abri a porta e lá estavas tu de corpo feito
Disseste-o com rosas mas senti cada espinho
Gelou o meu corpo essa merda de baton no colarinho
Desde o nosso encontro que as olheiras são só minhas
Visto-as de noite e não as tiro de dia
Fazer queixinhas de longe me alivia
E contar carneiros é de muito pouca serventia
na minha mente não faltas tu ao compromisso
Bates-me no pensamento como um relógio suíço
Na solidão da noite lá apareces tu fluorescente e o alarme soa
no meu peito já desfeito às noites em branco
seguem-se dias bem escuros em que não penso noutra coisa
senão em dar-te murros
Brincaste com o meu corpo e eu gostei da brincadeira
Passaste-me foi a ferro e em plena passadeira
A culpa foi minha porque fui a toda a velocidade
Fiz curvas e contra curvas na tua imaturidade
Acabei por me espetar nos teus olhos castanhos
Que afinal não tinham porra de encantos tamanhos
O silêncio da noite grita todas as frases não ditas
Todas as vírgulas e os pontos e também as tuas fitas
A verdade é que tu foste uma grande armadilha
Não sei como pensei que fosses o homem-maravilha
Onde fui eu buscar que tinhas alguma magia
Agora só me provocas uma tal de aerofagia
Mas os anos passam e com eles vou aprendendo
Dentro do meu peito vou por uma ou duas pilhas
Estes dois meses foram tal e qual guerrilha
E eu fico sempre presa na porcaria da presilha
Vou é ter com o vitinho que as horas já vão largas
Vou contar carneiros enquanto tu fodes as cabras
Ressaca de ti
Sofia Vila Nova
Aquele copo ali na mesa que enche e se esgota em ti
Gosto dele, bebe-me mais um pouco
Aquele teu andar que encurta as distâncias e te faz misturar o teu lugar com o meu
Gosto dele, bebe-me mais um pouco
Aquele teu braço que faz a tua mão aproximar-se dele e aproxima a tua boca de mim
Gosto dele, bebe-me mais um pouco nesse arriscado copo
Bendita assombrosa lucidez do álcool
Que te faz querer-me como eu te quero em água
Os teus olhos verdes
Sofia Vila Nova
Sinto o zumbido de uma mosca na minha garganta
Sinto-lhe o gosto dos ovos postos na minha língua
Deixas as varejas no meu tapete vermelho
e eu contenho aos solavancos os vómitos dentro de mim
Tu olhas para mim com os teus olhos verdes
Enquanto esfregas as tuas mãos uma na outra, uma na outra, uma na outra
Todos os dias tento ser com os outros o que sou sozinha.
Sofia Vila Nova
O nosso amor não morre
Sofia Vila Nova
Absorvo o sangue do teu espírito
As nossas mãos estão frias
Como se eu nos tivesse tirado a vida
Mas o amor nunca morre
Só se esconde aqui no centro de mim
Batalho como alguém que pensa
Conhecer a alma das coisas
E como alguém que luta
Para recordar esse conhecimento
Mas falta sempre o que não recordo
Ganha-se a batalha e no chão
Soldados nossos mortos
Em morte paulatina
Perco cem mil homens num só
Exponho-me à carnificina por causa de ti
És o meu homem abstracto
Um ser inclinado que sorri
Do céu em queda livre
Sou aquela boneca com roupas bonitas
e um vazio no peito onde cabem as pilhas.
Sofia Vila Nova
Sou uma cama feita de fresco com manchas antigas de sangue.
Sofia Vila Nova
Schnell
Sofia Vila Nova
Na Áustria o Natal passa rápido é schnell
Dá-se só uma prenda mas atenção é Chanel
O ritmo de vida é acelerado apressado
Mas há sempre tempo livre para o namorado
Se precisas de gelado vais ao supermercado
Mas cuidado sê rápido tem o Geld p’parado
Se te atrasas a meter as cebolas no saco
Coragem vais passar a viver sem um braço
Depender da tua Mãe não é vergonha é um estado
Temporário transitório ficaste sem ordenado
É verdade o teu sorriso não te paga a renda
E os teus anos já passaram não vais ter nenhuma prenda
Será que és culpado ou só mais um sacrificado?
A coisa estará feia ou será só para o teu lado?
Estás perdido no caminho não encontras o sentido
Quem te dera ter nascido sem o futuro de mendigo
Um dia bom para o Austríaco tem 1 grau positivo
O Sol vem ao meio-dia para eles assim é bonito
Esquece a vida de mendigo só há 3 dias de Verão
Não há um sem-abrigo ainda com essa ilusão
O quebab é o que te vale mas não enche um português
Habituado ao Bacalhau à Brás da dona Inês
Sem emprego sem ninguém bates à porta de quem?
Sempre podes corer para o colo da tua Mãe
Mais um futuro excitante que acabou nesse instante
Tens de ter paciência chorar é desgastante
É de certo um imprevisto não estavas à espera disto
Mas a língua não se empresta e Portugal é o que te resta
Faz as malas emigrante tu não falas fluente
Neste mundo civilizado quem te dá a mão mente
Posso até estar a ser um bocado demente
Se calhar só tive azar com toda aquela gente
Tu e eu
Sofia Vila Nova
Andamos os dois aos segredos
Só porque sim
E enches a minha vida
Só porque respiras
Mas que grande amor se explica?
O barco pára, largamos os remos
E damos as mãos um ao outro
Fecho os olhos e como um retrato
O teu rosto aparece-me na alma
Dizes que me amas
Eu não digo nada
Mas na tua voz ouve-se tão bem a minha
Os remos caem na água
O barco faz o que a água quer
Embalada nesta ondulação ténue
Eu descanso em ti
E este momento contigo
Sem pressa nenhuma
É a minha maior felicidade
Os remos já não estão perto
O barco segue para não sei onde
E eu sei que não quero mais ninguém
Comigo nesta viagem
Dormente
Sofia Vila Nova
Anjo ou deus
Que me percorre a alma acariciando o corpo
A ti só pedirei que me concedas o que nunca te vou exigir
Porque tu és vadio
Nem quieta nem inquieta espero pelo que o fado me trouxer
mas se me ergueres, erguerás ouro
porque sinto prazer, sinto dor
e porque para ti me dou como se nunca tivesse sofrido
Mas tal como é, gozemos o momento
Aguardando o amor como alguém que o conhece
E lhe reconhece os defeitos, os feitios
E de longe vejo o cimo da montanha branca
e o sol que suave beija o gelo fazendo-o chorar de ventura
Eu quero chorar com os teus beijos, Sol
Quero que me descongeles, porque há muito tempo que sou geada
Quero que me beijes os lábios solitários
Quero que me ocupes o corpo descampado
nas noites que caem doces sobre nós
E quando o mar engolir a areia e arrastar com ele todos os castelos
Eu quero que o nosso subsista
Porque tu és vício
Dormente, a dormir sorrio
Porque me pesas no corpo e me beijas a alma
Gato vadio
Felizes para sempre
Sofia Vila Nova
Sou uma criança que pensa em fadas
Em pós mágicos
Em abóboras voadoras
Sou uma criança que acredita em fadas
Em sapatinhos de cristal
Em príncipes encantados
Sou uma criança que fala com fadas
Sonha com bailes e não sabe que a vida não é um conto qualquer
As tuas palavras sobram
Sofia Vila Nova
Passas e agitas a brisa que delira
e para ti sou sempre nova
A beberes nem me recordas
Bebes-me nos recantos em que me escondo
onde a água tem cor de vinho
e os ventos estão desatentos
E eu espero a chorar e choro um pouco mais
pelo meu homem tranquilo e transparente
que me deseja num desejo mal contido
Apagas o gosto da noite triste e lenta
e tragas as horas que findam já gastas
em nevoeiros e desencantos demorados
Desalgema-te das minhas mãos
Todos os dias imperfeitos são meus eleitos
porque a tua perfeição era mentira
Do outro lado
Sofia Vila Nova
Perturba-me ver-te imóvel e gélido
Quando o teu corpo sem vida se junta ao meu
Perturba-me ouvir a tua voz que me impregna de frio
Quando a que penso ouvir é apenas um eco da minha
Sem olhares para trás arrastas a minha sombra pelas águas
E carregas o meu corpo pelos campos
Até que me deixas abandonado em qualquer lugar
Onde me encolho e refugio no amor que por mim nunca sentiste
Atravessa-me sem que eu te possa ver
Para que nem eu saiba do que morri
Digamos o que dissermos, não diremos senão o que nós somos.
Sofia Vila Nova
Devolve-me a alma
Sofia Vila Nova
Sangue insano
Entraste no meu corpo excessivamente
E seguindo a minha vontade invadiste a minha casa
Arrancaste-me do chão rompendo-me a camisa
E não tenho quem me cosa
Traz a minha alma quando voltares
Devolve-me a camisa rasgada
Resgata-me do barco no meio do rio
Eu que fui monotonamente abandonada ao meio-dia
Que o meu corpo se transforme numa vela
E o vento do meu sofrimento me sopre para longe daqui
Levarei na aragem o teu perfume, flagrante de mim
E ficará nas águas o teu rasto distanciando-te de mim
Sangue insano
Deixa-me convencer os teus lábios de que dos meus recebes vida
Desejei um mundo que só posso ver contigo
Com os meus olhos nos teus, perdi-me de vista
E não tenho quem me salve
Resta-me apenas guardar e resguardar o nosso segredo
no escuro do frio
Da noite antiga que se seguiu
Quando te digo que te amo quero ouvi-lo também de ti,
porque o amor não sobrevive sem ecos.
Sofia Vila Nova
Casas
Sofia Vila Nova
Há casas de botões
Há casas tipo casulos
Há casas tipo cápsulas
Há casas tipo campas
Há casas abandonadas
Há casas de campo
Há casas de cidade
Há casas abertas
Há casas com janelas
Há casas de bonecas
Há casas de miniatura
Há casas em papel
Há casas em playmobil
Há casas contigo
Há casas sem ti
Há casas comigo?
Tu perguntas e eu não sei, eu também não sei o que é a chuva.
O meu eu desencantado diz-nos: é talvez o céu que chora.
Sofia Vila Nova
Não me tragam flores
Sofia Vila Nova
Não me tragam flores que eu sofro
No dia em que morreste
Morri eu também a olhar para ti
Meti-me para dentro de mim
E fechei a janela
Os meus lábios sabem-me a antigo
Nem na morte espero dormir
Vou andar pelo Mundo
Qual cadáver acordado
Porque me culpo
Os meus lábios sabem-me a antigo
Acendo um cigarro
Se bem que não fumo
E a minha boca velada
Não dirá nada
Os meus lábios sabiam-me a antigo
Sou feliz agora morta
Longe dessa prisão fechada
Que era o Mundo sem ti
Ao vinho
Sofia Vila Nova
Dizem que nasceste por acaso
Talvez por uma mão-cheia
De uvas esmagadas e esquecidas
Dizem que és da cor da terra
Da rosa e do sangue
Que tens a cor da noite e também a do dia
Dizem que moves os homens
Que apressas a Primavera
E que foste tu quem inventou a alegria
Encontra-te comigo hoje
E à luz de uma garrafa
Vamos dar a palavra aos pensamentos
E na próxima noite é a lua que nos procura
Silêncios que te falam
Sofia Vila Nova
Para ti tenho palavras e silêncios
Mais silêncios que palavras
Palavras tímidas que se embrulham na minha língua
Que se escondem nos meus dentes e não se deixam sair
Para ti tenho palavras e silêncios
Ortografias comprometidas
Sintaxes desconhecidas
E tu sorris mesmo quando não ouves nada
Lês-me entre silêncios
Amas-me entre palavras
O funeral foi meu
Sofia Vila Nova
Já se passaram tantos anos desde a última vez que te vi
Já passou tanto tempo desde a nossa última viagem de comboio
Foste tu que morreste mas o funeral foi meu
E desde esse dia nunca mais consegui chorar
Mas quem é que chora no seu próprio funeral?
Luanda
Sofia Vila Nova
Homens incompletos
Com uma perna das calças
Enrolada de qualquer jeito
E sem serventia
Coxas que terminam de repente
E sapatos encaixados
Em pernas postiças
Cidade de cicatrizes e cruzes
Antes eras florida
Agora tens mortos de guerra
Plantados nos teus jardins
Os que ainda sobram estão sós
Exaustos e famintos
Arrastam-se pelas ruas imundas
E afastam as moscas que voltam
Uma história com final infeliz
É a nossa
Abriga-nos debaixo desta terra
Vermelha e ainda amada
Tem pena de nós
Tira-nos de vez o funje de cada dia
E deixa-nos sangrar até à morte
De Luanda já não me lembro
Mas deve ter sido bonita
O amor é grande
Sofia Vila Nova
Espécie de raiz profunda
feita de sol e de sombra
sai de mim, sai de mim
Deixa-me aqui deitada em terra fria
para que eu possa seguir o vento quente
que passou por mim, uma vez
E eu vou, juro que vou
ter com o Amor que é bem maior do que os homens
Vou, juro que vou
porque eu quero brilhar no escuro
e sentir o mundo com as mãos
Sentir castelos na língua
E respirar odes em noites de fado
Porque eu sonho com o etéreo
deitada em mantos de estrelas
Porque eu vivo do sonho e sonho com o eterno
Eternamente
Porque eu vivo pelo amor, e sem ele
Deito-me todas as noites num trono frio
De um reino vazio
Os meus dias contigo eram como os dias de um relógio de parede.
Sofia Vila Nova
Amar é esquecer continuamente que se é um só.
Sofia Vila Nova
Quando me dás a mão guardas na minha todos os sonhos
que nem eu sabia que sonhava.
Sofia Vila Nova
Ainda vale a pena
Sofia Vila Nova
Ainda ficas parado a olhar para a neve a cair?
Ainda queres tocar em tudo?
Ainda gritas quando estás feliz?
Ainda te deixas ficar encharcado à chuva?
Ainda te sentes a corar quando te despem de pensamentos?
Ainda gritas numa casa vazia para ouvires o eco da tua voz?
Ainda acordas com vontade de brincar?
Ainda te ris sem conseguires parar?
Ainda fazes castelos na areia?
Ainda acreditas em contos de fadas?
Ainda te apaixonas como se fosse a primeira vez?
Ainda corres para chegares mais cedo?
Ainda queres saber tudo?
Ainda te faltam as palavras?
Espero que ainda digas que sim
Admiro os que nunca se habituam ao mundo
Só assim vale a pena
No fim das férias de Verão já com o dinheiro contado,
qual dama e vagabundo, partilharam um prato de esparguete,
até ao último fio de massa.
Sofia Vila Nova
Tears
Sofia Vila Nova
And when I go to the bathroom to dry my stubborn tears
I notice that my panties are wet
I don't know if it were your tender kisses
When you begged me to stay
Or if it is just me desperately
Crying from every single part of my body
Uma abelha
Sofia Vila Nova
Uma abelha que procura a flor, procura ter mais vida que a vida
E o seu zumbido é mais canto que outro canto qualquer
O meu corpo cheira a destroços teus.
Sofia Vila Nova
Sentado na primeira fila do teatro
observas as minhas lágrimas em palco.
Sofia Vila Nova
Eu tenho medo de um dia deixar de ter medo.
Sofia Vila Nova
Solidão como companhia
Sofia Vila Nova
Os dias imperfeitos agora são os meus eleitos
A tua perfeição não era mais q’um gesto feito
Devia ter percebido ninguém é tão perfeito
Demorou e enrolou mas explodiu o defeito
Levavas-me prá cama e eu ficava dormente
Mas parei de sonhar quero um bom presente
Quero um homem completo que me ame por dentro
O jogo meu querido nunca foi suficiente
Por enquanto há um vazio ao meu lado no leito
É melhor do que viver com uma faca no peito
Eu ainda acredito num príncipe encantado mas
Até agora só passaram uns sapos molhados
Diz-me lá se o meu pé não dava pró teu sapato
Estou cansada de tentar sempre o mesmo par errado
És um puto grande puto que só pensa no jogo
Veste e despe o avatar mas não apaga o meu fogo
Colocaste-me num bote em pleno meio-dia
Eu senti-me abandonada totalmente sozinha
Com os meus olhos nos teus olhos eu perdi-me de vista
E o vento que senti foi a minha companhia
A tua voz não era mais do que um eco da minha
E o pensamento estava cheio de erva daninha
Virtual irreal e eu bem longe da mira
Fizeste da nossa vida uma grande mentira
Não chores não telefones vou dizer-te que não
agora não adianta passares a tua mão
é tarde o mal está feito e o leite derramou
não chegaste a tempo e a galinha já queimou
Decidi dizer adeus nem sequer ‘tás na estante
Tinha de acabar com isto estava a ser atrofiante
Já não era estimulante era pura perda de tempo
e a dor já era grande como uma grande dor de dente
Não sabes tu que a vida não é um Halo qualquer
Deixa o poker e os tiros e faz feliz a mulher
Não ouviste o que te disse nem o que te pedia
Perdeste este jogo e não tens mais uma vida
Game over
No escuro vou deixar de te ver
Sofia Vila Nova
Quando nos encontramos no 202
é sempre tão cedo ou tão tarde que somos como dois evadidos que se descobrem na noite fugitiva
Subimos para o nosso esconderijo e tu roubas-me as roupas
E com elas vai errante o músculo que bate ansioso por ti em mim
Deitada ao teu lado o meu corpo é a extensão do teu
E pela janela semi-aberta vejo os ramos das árvores pouco nítidos contra a cor do céu
Contra a cor da tua cama
Deixas-me o corpo dorido
E descubro que nos teus lábios é o sabor da dor que me atrai
Extrais-me o sangue em movimentos ritmados e roubas-me o corpo num assalto desigual
Eu roubo-te as roupas
Tu roubas-me a alma
Ladrão
Silêncio frio
Sofia Vila Nova
Escuto o pestanejar pausado dos teus olhos e o silencio de cemitério do nosso campo de batalha
Vejo a tua boca que se vai silenciando
Assisto resignada ao teu olhar que se transforma em pedra
E deixo de sentir o teu corpo já translúcido
Fico aqui contigo
Fico aqui contigo com o meu ouvido junto ao teu peito
Escuto-te até que deixes de bater
Até que me deixes de bater
Até que me deixes finalmente morrer
Voltei a acreditar em fadas
Sofia Vila Nova
Dizes-me: shhh, não contes a ninguém
E esticas o teu dedo indicador
encostando-o aos meus lábios
Não conto, amor
Mas voltei a pensar em fadas
Em pós mágicos
Em sapatinhos de cristal
Dizes-me: shhh, guarda-nos para ti
E a minha boca reage aconchegando-se à tua
Não conto, amor
Mas voltei a acreditar em fadas
Em vestidos prateados
Em príncipes encantados
Digo-te: shhh, não contes tu também a ninguém
E o teu corpo volta a procurar o meu
Não contes, amor
Porque eu voltei a falar com fadas
Voltei a sonhar com castelos
Porque a vida é um conto de fadas
e eu tenho medo de quebrar o encantamento
Encosto a minha barriga à tua
e eis que a memória dos mortos desaparece.
Sofia Vila Nova
Tenho uma boca triste que só se abre para se calar.
Sofia Vila Nova
As minhas palavras não ditas estão perdidas dentro de mim.
Sofia Vila Nova
Os teus heróis são fantasmas, são mortos-vivos
que entram em guerras sem saber porque lutam.
Sofia Vila Nova
Prazo de validade
Sofia Vila Nova
Desde que eu me lembro a vida passa a correr
Mais que tudo isso é uma corrida p’ra morrer
Diz-me tu se a contagem do meu aniversário
São os anos que já fiz ou os que me faltam fazer
Eu sei que é difícil viveres só no presente
Tens de aprender a deixar ir o que temes perder
Nada é realmente teu nem a vida te pertence
Até a alma neste corpo é um estado latente
Lamentares-te com tudo é típico do mundo
Desculpares-te com a idade é puro teu refúgio
O que interessa é o que fazes ao longo do tempo
Mais vale 30 bem passados do que 80 anos de vento
Antes dos 18 não podia sequer pegar no carro
Vê lá se isso me impediu de pôr nos lábios um cigarro
Aos 50 ouvi dizer que chega a tal da menopausa
Mas já te disse que no sexo eu não faço pausa
Eu não sou um iogurte com prazo de validade
Nem tão pouco uma foto num cartão d’identidade
Não me digas que vou tarde tu não sabes pr’onde vou
Sei que se não for agora a oportunidade voou
Do modo como falas fala um atum enlatado
Vives a vida preso a regras para mim estás entalado
Se te conto dos meus planos dizes p’ra eu ter cuidado
Não subas assim tão alto tu já foste magoado
Mas eu corro e vivo a 100 porque morrer é estar parado
Não me chames de falhado essa frase dá-me asco
Para mim já falhou quem nunca sequer tentou
Sou um cavalo alado eu não me fico neste pasto
Para ti é sempre tarde mas depois não mexes palha
Dizes que vivo pelo risco diz antes que eu arrisco
És uma ovelha no rebanho mas recusas-te a ver
Fiz só ontem 30 anos diz-me lá estou a morrer?