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Os Beatles de Zanzibar

Se parece que lhes pedi para pousar para a foto, de maneira a que lembrasse a capa do CD dos Beatles, não foi bem assim.

As crianças de Zanzibar são livres de movimento e a mim agrada-me o desafio de tirar as fotografias do momento, sem que ninguém disso se aperceba, para que não haja nelas um menor toque de falsidade.


Em Novembro, apanhei o avião da Emirates de Gatwick para o Dubai, no dia seguinte o voo da Etihad de Abu Dhabi para Dar Es Salaam, e depois de umas horas de espera naquele pequenino aeroporto onde a única coisa segura de ser ingerida era um chocolate raquítico, lá fui eu para Zanzibar num Cessna. Sentei-me à frente ao lado do piloto no caso de ele precisar de ajuda para aterrar.

Ao sobrevoar Dar Es Salaam reparei, como é de se esperar, que não se avistava um prédio, nem daqueles pequenos, as casas não tinham mais que um ou dois pisos, sempre em tons brancos e cinzentos. E muitas casas não tinham sequer tecto. Não era ainda a África que eu esperava. Demasiado cinzenta, e cheia da pó.


Ao aterrar em Zanzibar, a vista foi tão poderosa que senti quase que a imagem da terra e das águas me invadia os olhos, os dilatava e acabava por fazer transbordar; cheios de praias infindáveis de águas tão azuis e transparentes, de areia tão branca e arenosa.

A viagem até ao meu hotel em Jambiani deu-se em estradas de terra rodeadas de verde por toda a parte. A terra era castanha-vermelha. Ainda me lembro do cheiro da chuva forte e quente e rápida na terra molhada. As roupas e os panos que as mulheres usavam na cabeça tão coloridos. Uns quantos bebés às costas, enroladinhos em panos alegres, e duas ou três crianças empoleiradas numa só bicicleta. Não há de certeza nenhum luxo, ainda que muitos deles tenham smartphones, muito pelo contrário, e a vida nas aldeias pelas que passei é bem simples, mas parecem todos felizes.

Todos os caminhos de terra são feitos de altos e buracos, veteranos sejam os carros e os seus pneus furados. Quem tem televisão, coloca-a fora do casebre e ajeita um ou dois sofás, para partilhar com os vizinhos o programa da noite, no único canal que a antena apanha, vizinhos esses que trazem mais umas cadeiras de madeira ou de plástico. Drive-in cinema em jeito de África. E quem menos tem, é quem mais sabe partilhar. Bem-vinda a África, pensei. Zanzibar tem tanta praias com areais extensos, palmeirais, águas azuis-turquesa, que difícil foi saber onde ficar.

As mais bonitas talvez sejam as praias de Pongwe, Paje, Kendwa, Matemwe e Jambiani. Fiquei hospedada no Red Monkey Lodge, no extremo sul de Jambiani. A próxima fotografia é a vista do restaurante do lodge.



O areal é vasto e logo pela manhã as crianças brincavam à bola ou simplesmente corriam livres umas atrás das outras.


Um dos meus restaurantes preferidos chama-se The Rock e fica na praia de Pingwe. Como o nome indica, é um restaurante construído num recife de coral, a imagem de marca de Zanzibar. No topo de um rochedo, o restaurante pequeno e pitoresco está envolto pela água na maré alta. Da lambreta estacionada até às escadas do restaurante foi uma viagem de 2 minutos a pé e 30 segundos de barco. Mas se tivesse sido muito mais longa também teria valido a pena.


Já a cidade velha de Zanzibar, é a mistura perfeita de África com a Arábia. É notória a influência árabe na chamada Cidade de Pedra, Stone Town ou MjiMkongwe na língua suaíli, o núcleo central da atual cidade de Zanzibar, localizada na costa oeste de Unguja, a principal ilha do arquipélago, parte da República da Tanzânia, na África oriental. Situados?

Nos últimos 200 anos a cidade quase que não mudou, conservou as ruelas sinuosas, os bazares movimentados, as mesquitas e as grandes casas árabes cujos proprietários originais competiam uns com os outros pela maior extravagância. Património mundial da UNESCO, a Cidade de Pedra foi visitada por duas pessoas muito importantes: Vasco da Gama em 1499 e eu em 2016. Tanto ele como eu, ficámos tão impressionados com a cultura e a beleza do lugar e todas as suas potencialidades, que quisemos voltar. No entanto, a influência portuguesa era limitada e chegou ao fim no final do século XVII, e agora só lá podemos ir visitar.


O nosso papel comercial foi tomado pelos árabes de Omã, lidando em cereais, peixe seco, marfim e escravos. O terceiro componente arquitectónico veio da Índia, com os comerciantes indianos a comprarem casas Omani e a adicionarem varandas e um piso superior com quartos, sendo que as atividades comerciais se davam no piso inferior. Em 1890 chegaram os britânicos, sempre por último, e a monopolizarem tudo que já tinha sido trabalhado por outros antes. O último a rir, ri melhor.


E se por algo é famosa a cidade, uma das razões são as portas que adornam as casas históricas. São magnificamente esculpidas e estão espalhadas por toda a cidade velha. Infelizmente, essa prosperidade vem dos tempos do triste mas lucrativo comércio de escravos. Entre 1450 e 1860 milhões de africanos foram escravizados, transportados e vendidos em Zanzibar. Quando abolida a escravatura, a riqueza desapareceu com ela, sendo estas portas de Zanzibar um dos poucos testemunhos desse tempo colonial, agora também elas definhadas.

Se gosta de mercados, o Darajani Bazaar é memorável. Impregnado de cores e cheiro a peixe, que a mim não me incomoda, vende-se lá um pouco de tudo: carne, especiarias, legumes, frutas, peixe, bonecos de plásticos da china, colares, doces, sapatos e roupas, e quanto mais comprar melhor é o desconto, isto se souber regatear.


Há quem esteja interessado demais em vender, e torna-se agressivo e há os que nem repararam que eu queria comprar. A maior parte deles são simpáticos e gostam de saber de onde vimos.


Uns afastam as moscas com jornais enrolados, outros dormem com moscas a pousar-lhes no nariz. O mercado é uma explosão de cores, cheiros e sons, tipicamente africano, confuso e interessante.


O mesmo vendedor de especiarias, expostas num barco de madeira, perguntou-me quatro vezes, em quatro locais diferentes, se eu as queria comprar. E quando eu dizia que não e agradecia, dizendo asante sana, ele respondia que não havia problema, akuna matata, e seguia caminho. Se quiser experimentar um peixe da zona, o mais popular em Zanzibar é o changuu, muito saboroso. E se estiver de manhã no mercado pode observar os locais entretidos e entusiasmados com o leilão de peixe, e quem sabe tentar participar.


Já que está na Stone Town, vale a pena seguir a viagem de 20 minutos de barco até à Prison Island, local que foi usado como quarentena para doentes com febre amarela e que hoje é um hotel de luxo e casa de uma colónia de tartarugas gigantes e centenárias. Se quiser, pode dar-lhes também folhas e galhos que comem tudo com lentidão e agrado. A mais velha tinha 189 anos e já parecia estar um bocado farta.


Depois da visita guiada às tartarugas, aproveitei para antes de voltar de barco, fazer um pouco de snorkeling porque os corais à volta da ilha, cheios de estrelas do mar e outras maravilhas, sem dúvida que convidam.

Em menos de 7 dias, apaixonei-me completamente pela alegria contagiante das crianças, pela simpatia e simplicidade do povo, pelas ruelas histórias da cidade de pedra, pelos bazares coloridos de cheiros intensos. Perdi-me de amores pelas águas transparentes e mornas, pelo cheiro da terra vermelha molhada, pelos raios de sol bem cedo e pela chuva que não molha. Apaixonei-me silenciosamente pelo som ensurdecedor das ondas a quebrar na areia.


E pelos olhares tão profundos das tuas crianças, Zanzibar: Nakupenda.


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